segunda-feira, 25 de agosto de 2008

De Sombras e Gatos

1. Negro

O único todo
de sombra compacta.
E todo ele
é movimento
e sempre anfíbia
sua passagem.

Como uma idéia
por entre coisas,
como uma coisa
entre palavras.

Sequer despreza
como outros gatos:
ao gato negro
basta o contraste
com qualquer sombra de realidade.

Mas, quando estaca,
(a pata erguida,
inconcluso o passo)
fagulha apenas
seu olho incriado.

Como uma idéia
por entre coisas,
como uma coisa
entre palavras,
como uma morte
dentro do Nada.

2. Siamês

Este flutua,
porque as sombras
que vai sorvendo
sobem-lhe só
até a antepata.

De resto é quase
um arquigato,
que evita o contato
da realidade.
Por isso despreza
qualquer paisagem,
e qualquer muro
lhe é impuro
às negras patas.

E, quando pára,
sua presença
flutua apenas.

Como uma idéia
pela metade.

Como uma coisa,
uma palavra
metade sombra,
metade gato.

3.Malhado

No gato malhado,
dito vira-lata,
a sombra invade,
milparte o gato.

Falta-lhe a linha
dorsal compacta
e o passo infalível
dos outros gatos;
falta-lhe a idéia
de contraparte:
nem bem é branca
ou negra metade
e ao todo é menor
que as manchas somadas.

É talvez, assimétrico,
quase o antigato
em seu claro-escuro
barroco, abstrato.

Não é a coisa,
mas as muitas falhas,
as muitas faltas
que lhe são inatas:
como uma idéia
despedaçada
numa palavra muitas palavras.

4. Persa

Seu branco passo
recusa à sombra
dessedentá-la,
porque despreza
qualquer caçada,
qualquer esforço,
assassinato.

Sonha um relevo
de almofadas
e presas súditas
de seu enfado.

Recusa o fogo
de seu contato
e mesmo os olhos
dos outros gatos.

Dorme em presença
da humanidade
o sono inato
das coisas fartas.

Mas, quando hesita
em levantar-se
(como um remorso
ou uma espada),
é inútil e exato.

Como uma coisa
antes da idéia,
como uma idéia
antes da palavra.

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