20
(uma fábula)
I
O amor e a morte
caminhavam juntos
num jardim fechado.
No jardim cuidado
entre fícus, cactos
no fim de outro outono,
iam caminhando
o caminho até nada
dos bons caminhantes.
Quem de longe os visse
lhes trocava os nomes:
que o amor tinha barba
e a morte, duas tranças.
E a morte, descalça,
tão ruiva atirava
três pedras num lago,
às vezes girava
seus braços abertos
cobertos de sardas.
O amor não sorria
sorriso paterno,
até disfarçava
que ia a seu lado,
que ela girava,
que à revelia
talvez a gerara.
III
Não eram, se o foram,
Eros nem Tanatos,
iam desatentos,
sem mitologias,
sob um fim de outono,
sem outras palavras
que não as da chuva
testando o teclado
de uns poucos carvalhos,
e a tarde com sono,
o primeiro bocejo,
sob um azul sem nome
de profundos pássaros.
IV
“Sonhei com um cavalo”,
“sonhei com um vestido
que me apertava”,
“Ganhava um brinquedo,
um quebra-cabeça
de uma paisagem”.
Mais ruiva girava:
“Já leu sobre sonhos?”,
mas o amor calava.
E à vista de um homem
com um livro, num banco,
mais ruiva, voltou-se:
“Trouxestes a arma?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário