quinta-feira, 29 de julho de 2010

20
(uma fábula)

I
O amor e a morte
caminhavam juntos
num jardim fechado.

No jardim cuidado
entre fícus, cactos
no fim de outro outono,

iam caminhando
o caminho até nada
dos bons caminhantes.

Quem de longe os visse
lhes trocava os nomes:
que o amor tinha barba

e a morte, duas tranças.

II
E a morte, descalça,
tão ruiva atirava
três pedras num lago,

às vezes girava
seus braços abertos
cobertos de sardas.

O amor não sorria
sorriso paterno,
até disfarçava

que ia a seu lado,
que ela girava,
que à revelia

talvez a gerara.


III
Não eram, se o foram,
Eros nem Tanatos,
iam desatentos,

sem mitologias,
sob um fim de outono,
sem outras palavras

que não as da chuva
testando o teclado
de uns poucos carvalhos,

e a tarde com sono,
o primeiro bocejo,
sob um azul sem nome

de profundos pássaros.


IV
“Sonhei com um cavalo”,
“sonhei com um vestido
que me apertava”,

“Ganhava um brinquedo,
um quebra-cabeça
de uma paisagem”.

Mais ruiva girava:
“Já leu sobre sonhos?”,
mas o amor calava.

E à vista de um homem
com um livro, num banco,
mais ruiva, voltou-se:

“Trouxestes a arma?”

Nenhum comentário: